sexta-feira, julho 07, 2006

Muros

(...continuação)
Este era o cenário ideal para as nossas nostálgicas recordações de juventude: de amores incompreendidos, de estados de espirito voláteis, da necessidade sempre presente de encontrar, sem procurar, momentos melancólicos que sirvam de catalisadores aos nossos desejos mais espirituais ou, refraseando, de menor futilidade.

Cá estamos, Muros, sempre igual a si mesma, os mesmos restaurantes, os mesmos cafés, sem ser excessivamente dedicada aos veraneantes, parece existir para a ociosidade. Velhas recordações avivam-se na minha memória, como sempre acontece, quando cá volto, recordações que me fazem sentir só, agora, aqui no carro, apesar da acesa conversação que ouço à minha volta, talvez por serem sensações extremamente pessoais. Olho para a Raquel e penso – eu quase não partilhei nada contigo, nada do que sinto ou senti. Será que a experiência da vida é um achado demasiado valioso, para to ceder assim, sem nenhuma contrapartida?, e tu, que escondes por detrás desses grandes olhos verdes?...para mim são muitas vezes um mistério esses olhos verdes... Ela olha para mim e sorri inocentemente fazendo-me uma festa na cara. Retribuo-lhe o sorriso.

A casa parece nascer no monte, enquadrando-se harmoniosamente na paisagem, é uma belíssima peça de arquitectura, perfeitamente contida em si mesma apesar das suas grandes dimensões. Faz de certo modo lembrar alguma da arquitectura de Frank Lloyd Wright, confiantemente rústica apesar da sua linhas modernistas.
O Jaime e a Luísa estão a acenar para nós, junto ao jardim, com o Boris, um Serra da Estrela muito bonito, que quando nos vê desata aos saltos numa inconsciente felicidade. Quando estacionamos os carros, perto da entrada para a piscina, eles vêm ter connosco, abraço a Luísa e a seguir o Jaime, enquanto o Boris me suja as calças com as patas, depois de já ter sujado o Vasco e a Raquel.
- Que tal correu a viagem? – pergunta o Jaime, que está bastante bronzeado, e a quem o volumoso cabelo encaracolado faz lembrar o Art Garfunkel.
- Correu optimamente – responde o Vasco, já a descarregar as malas.
- Como tem estado o tempo por aqui? - o Pedro pergunta, protegendo o cabelo meticulosamente bem cortado e penteado do vento, que hoje se faz sentir forte.
- Assim, assim – responde a Luísa – já estamos em Setembro, vocês deviam ter vindo mais cedo. Mas, entrem e ponham as malas nos vossos quartos.
Entro em casa, faço uma vistoria geral à sala para matar saudades, está bem arrumada e, acima de tudo, primorosamente bem decorada, tal como seria de esperar de um designer gráfico e de uma pintora. Inspiro profundamente, fechando os olhos, reconhecendo o cheiro característico da Flor de Nepal, provocado pelo incenso que a Luísa e o Jaime estão constantemente a queimar. Este aroma faz com que o meu corpo seja percorrido por uma sensação de agradável diafaneidade, assim, envolvido por este espaço tão intimista e relaxante. A mistura dos cheiros e das sensações com a memória é algo que sempre me fascinou. Tenho, ainda presente, nos recantos mais escuros e perdidos da minha memória, o odor da Bárbara, e descubro agora, que está marcado até à minha morte, naquela pequena parte do cérebro onde estão guardadas as lembranças das emoções.
(continua...)