sexta-feira, setembro 15, 2006

Pensamentos #1

(...continuação)
Aparentemente devo ter adormecido, o sol já se está a pôr e começo a sentir-me frio e desconfortável deitado nesta areia húmida que se agarra a todas as partes do meu corpo. A uns cem metros de mim, um casal de namorados brinca inocentemente, deixando escapar de vez em quando uns guinchos de felicidade que me deixam enjoado.
Ouço a voz do Vasco por trás de mim :
- Cá estas tu! A Raquel está a ficar preocupada
- Eu...
- Imaginei que estivesses aqui – diz o Vasco enquanto tira uma caixa de um rolo de fotografias do bolso –, queres fumar um?
- Senta-te aqui e contempla a eternidade – digo num tom épico.
- Estamos filosóficos! Hã.
- Não estás a sentir a falta do Henrique? – pergunto já sabendo a resposta.
- Claro – responde. E depois com mais ênfase – claro que estou.
- Ele telefonou.
- Eu sei, falei com ele.
- Conseguiste sacar alguma coisa, ou ele estava com aquela típica apatia distante?– pergunto.
- Zero, hã-hã – responde abanando a cabeça.
- Estava em Hong Kong.
- Hum, hum. Foi encontrar-se com o pai, que o esperava no Harbour Plaza Hotel, e tenciona partir para a Tailândia ou Austrália dentro de dois dias.
A beleza desta praia é realmente surpreendente, estende-se languidamente num extenso areal branco, que por vezes reflecte os tons de vermelho que o sol, ao morrer, vai deixando no céu. O casal de namorados está neste momento a deixar a praia, vão abraçados como se dependessem um do outro para se mover.
- Que se pode esperar de nós? – digo deixando fugir um pensamento.
- Que se pode esperar de nós?! – pergunta o Vasco enquanto vai desfazendo cuidadosamente um cigarro.
- Sim, que se pode esperar de nós? Somos a geração do Fast Food e da MTV. Somos bombardeados constantemente com imagens que nos dizem o que devemos pensar e fazer. As mensagens são-nos impostas de uma maneira subliminar, tornando-nos a todos numa massa homogénea de autómatos.
- Diogo, em cada partícula do teu ser existe a beleza transcendente, daquilo a que tu chamaste há pouco, de eternidade. Nós provimos do universo mais profundo, devendo a ele a nossa imponderabilidade. Isto deve determinar a escala do teu pensamento e, por extensão, das tuas preocupações. – vai dizendo enquanto usa um isqueiro para queimar e desfazer a pedra.
- Sim, mas o que vou vestir amanhã preocupa-me – digo não sei se a sério ou a brincar.
- Deixa de ser pretensamente fútil, sei que não o és.
- Vasco, sinto-me mais seco que o Saara, não consigo fazer passar o mais pequenino fio de intensidade pelo meu espirito. Estou como os vagabundos de Beckett, sempre à espera de um Deus que não vai aparecer. Aquele Deus do amor e da criação em que o Henrique acreditava.
- Tu és Deus. Alegra-te com as coisas que estão à tua volta e pensa nelas como feitas à tua medida. Podes ter essa veleidade. Alegra-te e vive. - diz enquanto vai selando a mortalha.
(Se pelo menos o constante vento frio da tristeza não impedisse a vela da inocência e o fogo da paixão de acenderem dentro de mim.)
- És um tipo complicado, espero que tenhas consciência disso – diz num tom paternal.
- Eu sei, às vezes gostava de ser como tu, e ter a capacidade de ordenar o espaço entre as coisas que estão na minha mente, valorizando o silêncio do pensamento.
- As coisas não são o que parecem! - diz enquanto expele o fumo pela boca.
- Como assim?...
- Eu sofro da mesma incoerência de que todos nós sofremos, afinal não sou também feito de espirito e carne? Existe algo mais oposto? – vira-se para mim com uma ponta de malícia na cara e estende-me o charro – Queres?

***

sexta-feira, setembro 08, 2006

Comigo...

(...continuação)
- Queres vir a Muros? – pergunta à Raquel. – Nós vamos agora.
- Acho que não – respondo sombriamente –, vou ficar por aqui. Tenho umas músicas para pôr em ordem.
- Está tudo bem, Diogo?
- Está! Claro – simulo um sorriso.
- Andas estranho... – diz desconfiada.
- Impressão tua, são os domingos – digo, enquanto lhe dou um beijo que sei que a vai sossegar.
- Hum... Até já então.
- Hum... Até já
Espero que toda a gente saia para logo a seguir me meter no quarto e pegar na guitarra. Começo por tocar umas variações em Lá menor de uma música que ando a compor e que estou a pensar gravar em estúdio no fim do mês, acabando por dar comigo a tocar o wish you were here dos Pink Floyd onde por alturas da passagem “we´re just two lost souls swimming in a fish bowl, year after year” me vêm momentaneamente as lágrimas aos olhos. Depois de tocar umas cinco ou dez vezes essa música comecei a mexer nas coisas do quarto, à procura de algo como emoções esquecidas tentando limpar o pó que se acumulou na minha memória. Abri e fechei gavetas e armários, experimentei um velho chapéu de palha que costumava usar aqui, descobri algumas fotografias antigas, e um livro do Valerian o-agente-espacio-temporal que devia ter ficado a ler para não encontrar o que não procurava. E o que não procurava e muito menos precisava de encontrar era um poema que a Bárbara me havia dedicado pouco antes da nossa separação, há uns... três anos. A data está lá, mesmo no fim do último verso, para assegurar da inexorável passagem do tempo a pessoas para quem, tal como eu, três anos não são uma fracção de tempo mais prolongada que a diferença de ontem para hoje. Esta revelação deixa-me de rastos, atingido pelo monstro da realidade que me derrubou, trespassou e obliterou à velocidade de qualquer coisa como ‘Mach 5’. Decido afundar-me ainda mais: pego no discman, meto-me na bicicleta e saio disparado em direcção aos lugares em que estive pela última vez com a Bárbara aqui em Muros. Isto é o que me prescrevo como forma de tratamento.
Resolvo ir para a praia de Carnota com a intenção de me meter pela água dentro, pedalando até desaparecer, enquanto no discman passa repetidamente a you and me song dos Wannadies. Por fim, como seria de esperar, espalho-me ao comprido na areia, onde me deixo ficar deitado, sentindo-me como num filme em que a minha voz aparece em voz off juntamente com os sons do mar, das gaivotas e talvez do vento, apoiados por uma música ambiente qualquer. Falo agora de como a Bárbara me deixou para começar a andar com um tipo quinze anos mais velho que eu, e de como eu me fechei no quarto durante dois ou seis meses a tocar guitarra a fumar charros e a ouvir coisas como o love, hate, love dos Alice in Chains, o comin`back to me dos Jefferson Airplane ou o Crown of Thorns dos Mother Love Bone. Nessa altura pedia “tirem-me deste filme”.
(continua...)

segunda-feira, setembro 04, 2006

Henrique & Natasha

(...continuação)
De volta a casa a Luísa diz-me que o Henrique telefonou, e que nesse momento estava no aeroporto de Hong Kong vindo de um lugar qualquer que deve ficar perto da fronteira do Nepal entre Gyrong e Tingri, e que tinha comprado grandes quantidades de ópio e haxixe, e que havia visto alguém que achava ser com certeza o Edward Norton mas talvez fosse o Charlie Sheen, e sentia-se terrivelmente angustiado por ainda não ter esquecido a Natasha.

O Henrique: o Henrique viveu praticamente sem a companhia do pai, um magnata americano que vive, essencialmente, em viagens de negócios entre Nova-Iorque / Berlim / Paris e Londres. A mãe, ex-modelo, ex-potencial actriz de filmes independentes europeus, alcoólica convicta e viciada em Lexotan e Valium, simplesmente não vive. Refugia-se em passagens de modelos e eventos sociais que vão decorrendo em cidades como Paris, Madrid, Nova-Iorque ou Rio-de-Janeiro. Visitava esporadicamente o filho, que deixava com a mãe, uma francesa que casou com um português e veio, bastante nova, viver para o Porto. Era, portanto, a avó que lhe dava o que remotamente podemos chamar de acompanhamento familiar, isto até ele fazer vinte anos, altura em que a sua muito amada avó morreu.
No entanto o Henrique foi para nós o pai que não teve (apesar da similaridade entre as nossas idades), tornando-nos a todos qualquer coisa como irmãos, juntando num enorme conjunto todas as nossas divergências, homogeneizando-as numa enorme massa a que posso chamar de amizade. Ele é o elo que nos liga, que nos mantém no presente presos a um passado comum, como uma enzima que junta os códigos das nossas diferentes cromossomáticas personalidades. – Apercebo-me agora que detesto metáforas apesar de as usar com frequência nos meus pensamentos.- Dificilmente poderemos esquecer a prontidão com que as nossas mães nos confiavam à sua guarda, quando ele, por exemplo, nos levava ao cinema nos domingos à tarde; ou de como assumia o papel de irmão mais velho com uma eficácia surpreendente quando se tratava de proteger a Luísa e a Joana no seu tempo de meninas de escola; ou de como evitou que o Vasco se afundasse no abismo suicida que é o vicio das drogas duras quando atravessou momentos mais difíceis na sua vida; ou até de como demoveu o Pedro das suas ideias de iniciar o que chamava de a-minha-brilhante-carreira-política evitando assim que, enfim, o mundo se tornasse um lugar pior.

Quanto a mim, nunca me cansei de lhe pedir conselhos e ajuda, nem tão pouco ele se cansou de ouvir os meus relatos intermináveis, sobre o que eu achava ser na altura o sentido da vida, ou os meus problemas com uma ou outra namorada ou os meus pais. Posso ainda dizer que ele foi o principal impulsionador da minha veia artística sendo o primeiro a reparar no meu eventual jeito para a música. Por tudo isto, Henrique, estou-te eternamente agradecido.
Começou a viver sozinho quando a avó morreu, até conhecer a Natasha numa festa a que foi com a mãe, algures, no Brasil, em casa do Chico Buarque ou talvez do Caetano Veloso. Amaram-se à primeira vista. Trouxe-a para Portugal porque “ela completava-o” dizia ele, e com razão, formavam uma simbiose perfeita, eram como dois átomos de oxigénio que formam uma molécula que tanto precisamos para viver. Ela dava-lhe aquela estabilidade emocional que ele estava sucessivamente a perder, agora sem a avó e com a mãe cada vez mais empenhada na sua auto-destruição. E, enfim, teriam sido felizes para sempre,....se ela não tivesse sido mortalmente atropelada.
Há sete meses atrás, numa inesquecível noite de inverno, ou de inferno, um Range-Rover conduzido por um menininho-rico-do-papá completamente bêbado estatelou-se contra ela fazendo-a voar vinte metros, indo depois de capotar esmagá-la contra uma parede de betão, deixando-a praticamente irreconhecível. Irreconhecível ficou também o Henrique que se foi, compreensivelmente, abaixo, tornando-se uma pálida imagem do que era. Há cerca de seis meses o pai, o magnata nova-iorquino, num acesso de paternidade tipicamente americana ofereceu-lhe crédito ilimitado para uma viagem à volta do mundo, fazendo o Henrique desaparecer da nossa vista desde aí.
Os nossos contactos com ele têm-se resumido a umas conversas vagas de sentido, que vamos tendo nos telefonemas que faz enquanto anda disperso e perdido pelos cantos do mundo, onde o que diz de mais pessoal são coisas como: a inefabilidade de percorrer a África a ouvir o all over the world dos Pixies, ou as noites passadas na Índia a ouvir o Mr. Lawrence do Ryuichi Sakamoto, à procura de uma nova identidade espiritual que acha existir oculta nas extremidades dos seus dedos.
(continua...)

sexta-feira, agosto 25, 2006

Novelas #1

(...continuação)
Dia seguinte: são 11:25 no meu relógio, que está sempre adiantado cerca de dez minutos, e dou por mim a passear com o Pedro pela praia. Está uma manhã calma, o silêncio é interrompido arritmicamente pelo barulho do mar a esbater-se na areia, e neste momento pela voz do Pedro:
- Estou numa alhada – suspira
- Que se passa?
- A Maria está a pressionar-me
- A Maria! Há quanto tempo é que isso dura?
- Um ano – responde meio embaraçado. Faço as minhas contas, ele já anda com a Rita há dois anos. Como é que ele aguenta.
- Pelos vistos tens conseguido aguentar a situação – digo apaticamente.
- É... – o Pedro atira uma pedra ao mar e continua –, o problema é que ela descobriu tudo acerca da Ana.
- Da Ana? Quem é a Ana? – Este tipo não existe. E deve estar fora de qualquer categorização.
- Hum...lembras-te de eu te ter falado numa boazona parecida com a Cindy Crawford, só que sem o sinal, que andava lá no ginásio?
- Sim...
- Bom, ando a mandar-lhe umas quecas de há três meses para cá – diz entre-dentes.
- Óptimo, lindo serviço... – digo tentando mostrar-me compreensivo.
- Pois... – o Pedro afundava-se num murmúrio.
- E essa Ana, a Cindy-Crawford-só-que-sem-o-sinal, sabe da existência da Rita e da Maria? – pergunto não sei bem porquê.
- Ela pensa que eu namoro com a Maria, e que a Rita é minha irmã. Pelo menos foi isto que eu lhe disse.
- Arranja tratamento...
- Diogo, poupa-me. Tu sabes que eu gosto muito da Rita, é a mulher com que quero casar.
- A sério?!! – cínico, eu?...
- O problema é que eu preciso de relações com outras mulheres para conseguir manter uma certa estabilidade emocional.
- Já percebi, e andares a mandar umas cambalhotas com um vasto conjunto de tipas que conheces em bares, perfumarias, passagens de modelos e ginásios, e onde posso ainda incluir amigas da tua namorada, ajuda-te a ser uma melhor pessoa, certo?
- Sim...não! Vá lá, Diogo tenta perceber-me – desespera o Pedro.
- A expressão: cada um faz a cama em que se deita diz-te alguma coisa?
- Obrigado, és uma ajuda.
- Olha Pedro, explica-lhes que te converteste a uma seita qualquer de raiz muçulmana, e que a tua religião te obriga à bigamia.
- Hum... achas? – pergunta com ar sério. – Boa ideia!
- Pedro, estava a brincar. – digo derrotado.
(continua...)

segunda-feira, agosto 21, 2006

Livros

(...continuação)
Antes de me deitar tiro os quatro livros que trouxe, tentando decidir qual ou quais vou hoje ler. Vejamos, tenho um livro do Ross Leckie intitulado “Cipião, o Africano”, que apesar de ser um romance histórico é suficientemente erudito e verídico para ser interessante, vem na continuação de um romance do mesmo autor chamado “Aníbal”, que já li e achei genuinamente bom; tenho outro do Artur C. Clarke, o “Anti-Crepúsculo” que ainda não comecei, comprei-o há dois ou três meses numa feira do livro, onde comprei também um livro muito interessante do Jaques Bergier intitulado “Os extraterrestres na história” e a versão em inglês dum livro que já tinha do Bruce Chatwin; tenho ainda um dos livros de que mais gosto do J.R.R.Tolkien, de quem há cerca de um mês e meio me propus reler toda a obra, que se intitula “O Silmarillion”, (bom, suponho que seja como François Mauriac disse: «”Diz-me o que lês, dir-te-ei quem és” é verdade, mas conhecer-te-ei melhor se me disseres aquilo que relês.»); como última opção, mas não menos importante, um livro do Roger Scruton que ando a ler aos bocadinhos e em pequenas doses, “A estética da Arquitectura”.
Para que é que trago tantos livros? Acho que sou intensamente curioso e moderadamente impaciente para estar a ler um só livro por dia. Fazendo uma analogia entre os livros e as séries de televisão, por comparação prefiro os livros, posso controlar a duração dos “episódios” pois começo a ler quando quero e paro quando quero, posso fazer pausas para ver televisão, se assim quiser, em contrapartida, com a televisão sou obrigado, se não quiser perder um programa que me interessa, a estar pontualmente e com um rigor subserviente à frente do ecrã, correndo sempre o risco de me irritar quando os episódios acabam naquele momento em que estamos mais intensamente envolvidos, e pior ainda, não podemos fazer intervalos para ler (a não ser, claro, que tenhamos um vídeo, que não é o meu caso). Por fim, e como já não leio um livro do Arthur C. Clarke há muito tempo, decido-me pelo “Anti-Crepúsculo”.

(continua...)

sexta-feira, agosto 11, 2006

Um jantar em Muros

(...continuação)
Passamos a maior parte do jantar a discutir a política internacional americana e o seu impacto no mundo, a situação actual no extremo e médio oriente, a anexação do Tibete pela China e as suas consequências, e de como todos gostaríamos de ir à Índia ainda que por motivos diferentes, enquanto o leitor de CDs da Bang & Olufsen vai passando a selecção de seis discos que fizemos para esta noite. O David Bowie está agora a cantar o this is not America.
O Goulash está realmente muito bom, e envolvido pelo delicado paladar da refeição e por uma das garrafas de Rioja que desapercebidamente puxei para perto de mim, deixo-me perder pelo ritmo das chamas, que dançam em intermitentes ondulações no topo das velas que estão pousadas no centro da mesa. Naquele círculo de luminosidade quente, que marca a diferença entre a semi-obscuridade e a nossa realidade, a minha realidade, onde o som das vozes facilmente se perde, consigo ainda ver os lábios a articularem supostas palavras, e gestos a enfatizarem animadas discussões...o mundo dos sentidos inverteu as prioridades. Perco-me nos lugares escuros da minha mente, correndo o mesmo perigo que um mergulhador que vagueia nas profundidades, mais profundas, do Oceano. Penso em tudo, sem ao mesmo tempo pensar em nada, reservando para cada imagem o tempo de um microssegundo passado em câmara lenta. Pedaços da conversa chegam até mim, depois de atravessarem milhões de anos luz: - Para mim – a voz do Jaime – em ultima instância, a função primordial do homem é ter filhos e constituir família. Nestas coisas do sentido da vida, devemos ser um bocado pragmáticos. E aliás, que mais pode haver?
- Que tal, realizar, concretizar, criar, amar, ajudar os outros, tornar o mundo um lugar melhor, combater o crime e a pobreza, dar voz aos indefesos...- diz o Vasco sem pausas. O Andreas, reparo agora pelo ronco, está estendido no sofá a dormir.
- Tu e a tua perspectiva Budista da vida! – diz o Pedro bebendo a seguir, o vinho que tem no copo de um só golo, depois continua num aparte - também acreditas nas tretas da reencarnação?
- Pedro! Não sou Budista, mas agradam-me algumas coisas desta filosofia oriental.
- Oh! Já sei – diz o Pedro com um ar enjoado – dar a vitória ao inimigo, blá-blá-blá, só podemos atingir a iluminação por meio da prática da meditação, blá-blá-blá, acumular Karma positivo para nos libertarmos do ciclo do sofrimento, ajudando, por exemplo – pausa, seguida de risos – o cabrão que nos matou o pai e violou a mãe. Concluindo, ser o Sr.Bonzinho-sou-otário-porque-gosto-que-abusem-de-mim.
Não sejas cínico – interrompo baixinho, num tom ausente – os ensinamentos budistas, ainda que utópicos para mim, são de vangloriar. Tentam criar uma sociedade melhor, onde o ser humano se respeite e não recorra à violência de cinco em cinco minutos para expôr os seus pontos de vista. – O Andreas está agora a babar-se.
- Temos que aprender a controlar a nossa mente – argumenta o Vasco – um budista escreveu um dia que a nossa mente, é como um céu cheio de nuvens, é preciso que elas se afastem para deixar passar a luz. A sociedade actual destrói o espírito, as pessoas vivem num total estado de ansiedade. A prática do dharma budista pode ser muito útil, e é a partir daqui que o Budismo me começa a interessar.
- Bah! Saltemos para o Vodka, estou farto de vinho – diz o Pedro tentando parar uma conversa que não vai, de certeza, levar a lado nenhum.
- Vodka? – pergunta o Andreas acordando, depois de dar um agitado e ruidoso ronco final.
- Diogo, vamos rolar? – pergunta o Vasco abanando-me a cabeça, que agora está enfiada nos meus braços e pousada na mesa.
- Nã, continuem vocês. Vou-me deitar, estou muito cansado, esta última semana tenho andado a deitar-me muito tarde.
- Estás um velho! – diz o Jaime.
Dou um beijo à Raquel. – Boa noite – digo a todos.
“Estás um velho?!!” Se eles soubessem como eu às vezes me sinto velho, prematuramente velho, um exilado emocional a quem foi negado o direito à juventude, o direito de viver como todos vintões devem, ou deveriam viver. Naquela constante inconsciência, tipicamente masculina, de quem se apaixona todos os dias, a todas as horas, pelas coisas em geral e principalmente, pelas mulheres...
(continua...)

sexta-feira, agosto 04, 2006

Goulash de Novilho

(...continuação)
Por volta das quatro fomos à praia, onde ficamos quase até ao pôr-do-sol a ver a maré baixar, deixando a descoberto aquelas milhares de pedrinhas e conchas que transformam a praia num festim de cor e brilho.
Quando chegamos a casa fomos preparar o jantar, Goulash de Novilho por sugestão da Luísa. “Fomos” é neste caso uma força de expressão, os homens limitaram-se a estorvar as mulheres, fazendo de conta que são prestáveis, fazemos isto só para nos dar uma sensação de vida em comunidade. Vou aproveitar este momento para me meter com a Raquel, tenho a certeza que se a fizer rir pelo menos uma vez, evito ter que lidar com a terrível frieza de uma mulher. Enquanto empreendo esta esgotante tarefa, o Pedro vai limpando as lágrimas do Jaime, que está de avental a descascar as cebolas, o Andreas e o Boris rebolam-se pelo chão da cozinha, e o Vasco anda a perguntar se as trufas não dariam bons alucinogénios, depois de já ter sugerido que este prato ficaria melhor se preparado com um bocado de vinho branco. Tenho a impressão que por ele todas as receitas deveriam levar vinho na sua constituição. Entretanto, a Raquel mandou-me um daqueles olhares esta-noite-não–há-sexo, é óbvio que não estou a ser bem sucedido.
Como era de prever as mulheres é que fazem o que realmente importa, a Joana corta a carne em cubos, a Luísa está agora a ajudar o Jaime com as cebolas, cortando-as em rodelas muito finas para depois as levar a alourar num tacho com margarina, a Rita fez o molho para a salada, que, pelo que consegui reparar, consiste em misturar três colheres de óleo da Provença, uma de vinagre de cidra e umas gotas de limão, às quais a Raquel irá juntar as “trufas psicadélicas” que o Vasco tinha cortado em bocados pequeninos, temperando tudo com sal e pimenta. Finalmente ela ri-se, não muito, mas o suficiente para me deixar de consciência aliviada. Sentamo-nos à mesa ao som de um antigo tema de Lionel Richie.

(continua...)

terça-feira, julho 25, 2006

Visita ao supermercado...

(...continuação)
No fim do almoço, fomos ao supermercado comprar alguma coisa para o jantar, não sem antes fazer uma visita à secção das bebidas, não resistimos em pegar nas três ultimas garrafas de Smirnoff que lá estavam e em algumas de whisky, agarramos também em duas garrafas de vinho branco e três de vinho tinto. Não podíamos correr riscos, a nossa garrafeira tinha que estar carregada em abundância, não fossemos nós morrer de sede, até porque Baco é um Deus que não deve ser esquecido e a quem devemos devoção. É curioso pensar que uma vez absorvido, o álcool difunde-se por todo organismo através dos capilares, distribuindo-se uniformemente nos compartimentos intra e extracelulares. A seguir dei uma vista de olhos na secção de higiene, à procura de bálsamo after-shave da Nivea, geralmente prefiro este para a minha pele sensível, qualquer outro deixa-me a pele ligeiramente irritada, peguei também num champô Pantene Pro-V, que costumo usar apesar de, ao contrário do que dizem os anúncios televisivos, não me deixar o cabelo solto, fácil de pentear e particularmente brilhante. O Pedro esteve ainda a tentar convencer-me das propriedades afrodisíacas do desodorizante Black, da Denim, e dos efeitos supostamente avassaladores que este teria nas mulheres com mais de trinta e cinco anos.
(continua...)

domingo, julho 16, 2006

Tapas, papas e conversas na marina....

(...continuação)
O Jaime bate à porta do quarto, ao mesmo tempo que entra – levanta-te, pá – diz vivamente – estás aí há meia-hora. Adormeceste?
- Devo ter adormecido... – digo sentando-me na cama
- Vamos à vila, despacha-te que está toda a gente a morrer de fome.
- Claro, vamos!
Estou sentado na esplanada do restaurante, a ver a marina à minha esquerda. A Raquel está à minha frente na mesa, ao seu lado esquerdo estão a Joana e depois o Andreas, ao meu lado direito estão o Pedro e a Rita, o Vasco está à cabeceira da mesa, virado directamente para a marina. O Jaime e a Luísa estão junto ao balcão a falar com uns amigos espanhóis, que não conheço, mas que suponho serem de Bilbau, ou talvez de Madrid, podem também ser daqui, mas acho esta hipótese menos provável. Quando eles se sentam, a empregada, que já tinha vindo trazer uma cidra para cada um, pousa na mesa duas doses de pulpo, duas de calamares, uma de navalhas e duas de uns camarões pequeninos cobertos com um molho qualquer, enquanto sorri provocadoramente para o Pedro e a seguir para o Vasco, que não lhe liga nenhuma. No preciso momento em que ela sai, atiramo-nos aos pratos que estão no centro da mesa.
- Luísa, que tal vão as tuas pinturas? – pergunto quebrando aquele transe colectivo.
- Olha, fiz na semana passada uma exposição em Santiago de Compostela. Vendi dois óleos a um casal, pertencentes à aristocracia espanhola, e uma litografia a um industrial italiano de Milão – a Joana olha para o Vasco, depois para o prato, e depois para o Vasco.
- Estive a apreciar os teus quadros, gosto bastante daquele que tens em cima da...hmm... Joana, como é que se diz “Kamin” ? - pergunta o Andreas com um ar pensativo.
- Lareira – Responde prontamente a Joana. Tento encontrar os olhos da Raquel com o meu olhar.
- Isso, em cima da lareira. – Completa-se. Ela desvia a cara quando repara.
- Obrigada, esse foi pintado depois do nosso casamento. Está cheio de significados escondidos – diz a Luísa encantada.
O Vasco olha para a Joana, depois para a marina, depois para o prato e depois para a Joana, volta a olhar para a marina e diz, quase distraidamente – li a introdução que escreveste para aquele livro editado pela Gulbenkian, sobre a Graça Morais, estava excelente.
- A sério que gostaste? – a Luísa cora
- Hã, hã – responde, acenando afirmativamente com a cabeça .
- A arte é tanto melhor, quanto mais dinheiro render, e melhor conceituada quanto mais dinheiro valer. – diz o Pedro, contente pela controvérsia que sabe que vai causar, ao mesmo tempo que vai buscar um calamar e um pedaço de pulpo.
- Não sejas parvo, Pedro – diz a Rita a rir, parecendo na verdade, não ter ficado chocada com a afirmação imbecil do namorado.
- Vá lá, nem todas as pessoas são tão insaciáveis por dinheiro como tu – protesta o Vasco –, imensos artistas morreram na miséria.
- Bah! Qual é o artista que não gosta de reconhecimento na forma de gratificação monetária – contrapõe –, e já agora, és capaz de explicar porque é que os quadros desses mesmos artistas agora valem milhares.
- Talvez, porque estivessem adiantados em relação ao seu tempo – sugiro eu sem disfarçar um certo cinismo.
- E só agora compreendidos – remata o Vasco.
- Nã, é o que vos digo, a arte é controlada por uma mafia institucionalizada. Oitenta por cento das colecções privadas de arte são controladas por estes negociantes – diz o Pedro enfaticamente. - Eles adquirem as obras por valores baixíssimos antes da morte dos artistas, depois inflacionam-nas de mútuo acordo. Toda esta manobra é feita com a ajuda de críticos influentes, a soldo deles, claro, colocados em revistas e jornais.
- Estás-te a passar, não? – pergunta o Jaime
- A sério, são estes gajos que fazem a História da Arte! – diz a rir. O Vasco encolhe os ombros e murmura – não vale a pena – acende um cigarro e dá por terminada a refeição.
(continua...)

Bárbara

(...continuação)
O meu quarto, ou melhor dizendo, o quarto onde costumo ficar quando cá venho está na mesma, tal como o deixei há um ano atrás...(inspiro) Lavanda, cheiro de lençóis lavados.
A Raquel abraça-me atirando a cabeça para trás, sorri, depois pousa a cabeça no meu ombro e diz – foi há dois anos que tudo começou... – tento afastar a Bárbara do meu pensamento.
- O quê? – pergunto, fazendo-me de desentendido.
- Que começamos a namorar.
- Eu sei – acabo por admitir
- Não gosto de te ver assim tão distante.
- Não estou distante – (porque é que a Bárbara teve de alguma vez existir?).
- Diogo, vá lá! – diz num murmúrio, que para mim parece muito distante, quase inaudível.
- Sim... estou a ouvir – (e se eu não a tivesse conhecido, teria ganho ou perdido com isso?). Acorda! – digo entre dentes, para mim – já passou uma eternidade.
- O quê? – pergunta a Raquel, num completo desconsolo.
- O quê, o quê? – Pergunto, voltando à realidade. A Raquel sai do quarto nitidamente chateada.
- Raquel... - murmuro sem intenção de a chamar. Deixo-me cair na cama, a olhar para a ventoinha que está no tecto, a girar. Fecho os olhos. Lavanda...
(continua...)

sexta-feira, julho 07, 2006

Muros

(...continuação)
Este era o cenário ideal para as nossas nostálgicas recordações de juventude: de amores incompreendidos, de estados de espirito voláteis, da necessidade sempre presente de encontrar, sem procurar, momentos melancólicos que sirvam de catalisadores aos nossos desejos mais espirituais ou, refraseando, de menor futilidade.

Cá estamos, Muros, sempre igual a si mesma, os mesmos restaurantes, os mesmos cafés, sem ser excessivamente dedicada aos veraneantes, parece existir para a ociosidade. Velhas recordações avivam-se na minha memória, como sempre acontece, quando cá volto, recordações que me fazem sentir só, agora, aqui no carro, apesar da acesa conversação que ouço à minha volta, talvez por serem sensações extremamente pessoais. Olho para a Raquel e penso – eu quase não partilhei nada contigo, nada do que sinto ou senti. Será que a experiência da vida é um achado demasiado valioso, para to ceder assim, sem nenhuma contrapartida?, e tu, que escondes por detrás desses grandes olhos verdes?...para mim são muitas vezes um mistério esses olhos verdes... Ela olha para mim e sorri inocentemente fazendo-me uma festa na cara. Retribuo-lhe o sorriso.

A casa parece nascer no monte, enquadrando-se harmoniosamente na paisagem, é uma belíssima peça de arquitectura, perfeitamente contida em si mesma apesar das suas grandes dimensões. Faz de certo modo lembrar alguma da arquitectura de Frank Lloyd Wright, confiantemente rústica apesar da sua linhas modernistas.
O Jaime e a Luísa estão a acenar para nós, junto ao jardim, com o Boris, um Serra da Estrela muito bonito, que quando nos vê desata aos saltos numa inconsciente felicidade. Quando estacionamos os carros, perto da entrada para a piscina, eles vêm ter connosco, abraço a Luísa e a seguir o Jaime, enquanto o Boris me suja as calças com as patas, depois de já ter sujado o Vasco e a Raquel.
- Que tal correu a viagem? – pergunta o Jaime, que está bastante bronzeado, e a quem o volumoso cabelo encaracolado faz lembrar o Art Garfunkel.
- Correu optimamente – responde o Vasco, já a descarregar as malas.
- Como tem estado o tempo por aqui? - o Pedro pergunta, protegendo o cabelo meticulosamente bem cortado e penteado do vento, que hoje se faz sentir forte.
- Assim, assim – responde a Luísa – já estamos em Setembro, vocês deviam ter vindo mais cedo. Mas, entrem e ponham as malas nos vossos quartos.
Entro em casa, faço uma vistoria geral à sala para matar saudades, está bem arrumada e, acima de tudo, primorosamente bem decorada, tal como seria de esperar de um designer gráfico e de uma pintora. Inspiro profundamente, fechando os olhos, reconhecendo o cheiro característico da Flor de Nepal, provocado pelo incenso que a Luísa e o Jaime estão constantemente a queimar. Este aroma faz com que o meu corpo seja percorrido por uma sensação de agradável diafaneidade, assim, envolvido por este espaço tão intimista e relaxante. A mistura dos cheiros e das sensações com a memória é algo que sempre me fascinou. Tenho, ainda presente, nos recantos mais escuros e perdidos da minha memória, o odor da Bárbara, e descubro agora, que está marcado até à minha morte, naquela pequena parte do cérebro onde estão guardadas as lembranças das emoções.
(continua...)

terça-feira, junho 20, 2006

Galiza

(...continuação)
Estamos a chegar, o tempo abriu bastante, e está quase o que poderia chamar de um óptimo dia. Apraz-me reparar, não sei bem porquê, que do norte de Portugal para a Galiza as diferenças na paisagem rural são nulas, mas não é por isto que cá vimos – penso - não, o que inexoravelmente nos atrai a este lugar são as baías e rias que vão pontuando aqui e ali a sua belíssima linha costeira, a majestosa agressividade com que muitas vezes as montanhas se mostram ao mar, ou aquelas praias compridas, esmagadas entre a serra e o Atlântico. Isto para já não falar nos calamares e no pulpo servidos perto da marina, bem acompanhados de uma, sempre refrescante, cidra...
- Já comia ! – declaro
- Aposto que estás a pensar em pulpo e calamares – diz a Raquel, que por acaso está hoje especialmente bonita com o seu cabelo castanho claro, quase dourado e muito liso, apanhado em rabo de cavalo, e a quem o top que veste fica a matar.

São 10:00 e estamos a passar por Noya:
- Mais uns quarenta minutos e estamos em casa – digo em tom de aviso.
- Eles compraram a casa de Muros há muito tempo? – pergunta o Andreas com aquele típico sotaque alemão.
- Hmm, na realidade a casa não fica bem em Muros, mas sim em Carnota, a cinco minutos de distância – corrijo eu.
- Era dos pais do Jaime, mas ficou para uso deles desde que casaram, há 4 anos – completa-me a Joana.
- O grupo junta-se aqui desde essa altura, o Diogo e eu ainda só éramos bons amigos – diz a Raquel com um sorriso nostálgico (?) – mas Muros já era visitado anteriormente pelo Diogo e o Henrique.
- O Henrique é aquele nosso amigo que de que te falei, que está para fora neste momento – a Joana atalha virando-se para o Andreas.
- Sempre o mesmo pessoal? – o Andreas pergunta.
- Não – respondo, ainda a pensar naquele sorriso – o Vasco, eu, a Joana e o Henrique, fomos os primeiros a iniciar este ciclo de visitas, assim como obviamente, o Jaime e a Luísa. Mais tarde juntou-se-nos o Pedro e a Raquel, acabando assim estas viagens por ficar institucionalizadas como uma tradição.
Eu sei – digo só para mim - que este é o exercício habitual, pelo menos uma vez por ano testamos a nossa amizade, vivendo em comunidade uma ou duas semanas. Se sobrevivermos a isto, então suponho que as nossas relações saiem fortalecidas.
(continua...)

sábado, junho 10, 2006

Momentos Perdidos - A Partida

Lembro-me como se tivesse sido ontem, a última das nossas reuniões de Verão na casa que Jaime e Luísa tinham em Muros. A partida fora planeada com pelo menos uma semana de antecedência como já vinha sendo hábito. No meio da agitação, na manhã de sábado, dia D, organizava as minhas coisas, ao mesmo tempo que telefonava ao resto do grupo, pelo menos ao Pedro, ao Vasco e à Raquel, por motivo nenhum em especial, para além de, provavelmente, me querer assegurar de que aquele seria mesmo o dia da partida e de que estariam todos conscientes disso.
Certifiquei-me que tinha os CDs que queria empacotados, a guitarra posta de lado e no saco, com um conjunto de cordas sobresselente, peguei em três ou quatro livros sendo pelo menos um de arquitectura, dei uma vista de olhos à mala: estojo de toillete, calções de banho, três ou quatro pares de calças (para duas semanas), três camisolas quentes para os dias mais melancólicos e frios, pijama...o telemóvel toca...
- Estou – atendo – desço já.

***

A Raquel está no carro à minha espera, de relance reparo nas duas grandes malas Samsonite que estão no porta-bagagens do Cherokee, e às quais irei juntar o meu pequeno saco de viagem e a minha, ainda mais pequena, mochila, sorrio e beijo-a. Torno a telefonar ao Vasco...
São 7:09 da manhã, chegamos à porta de casa do Vasco onde está todo o grupo, incluindo o Vasco, mas nem sinal do Pedro. É incrível, digo para mim, há anos que fazemos isto e este tipo atrasa-se sem excepção e irrefutavelmente todos os anos. Será que este gajo nunca se levantou cedo aos sábados de manhã para ver os desenhos animados quando era puto?! Torno a telefonar ao Pedro...
Ele finalmente aparece com a Rita, desculpa-se, culpando-a de algo que não me preocupo em perceber. De qualquer das maneiras ninguém se mostra interessado, portanto interrompo-o dizendo que já é tarde.
Partimos às 7:41 (no relógio do carro são 7:33), esperamos chegar a Muros por volta das dez e meia. O grupo vai dividido por dois carros: no Lada vai o Vasco com o Pedro e a Rita, no Cherokee vou eu (agora ao volante) a Raquel, a Joana e o seu actual namorado, o Andreas, um alemão que conheceu numa viajem que fez pela Europa, nas férias de Natal do ano passado, e a quem só fui apresentado há um mês, já com muitas boas referências diga-se de passagem (pareceu-me bom tipo). Quando entramos na auto-estrada estava a passar na rádio uma música muito chorada de uma Boys Band qualquer, irritantemente deplorável. Apresso-me a baixar o volume ao mesmo tempo que pergunto:
- Que querem ouvir!
- Que tal um disco dos The Cure – sugere-me a Joana
- Bah! Qualquer coisa mais alegre- digo
- Diogo, tens qualquer coisa de Police? – pergunta-me o Andreas que fala bastante bem português, em parte devido à Joana que tem sido uma óptima professora, em parte devido aos poucos anos que passou com os pais no Brasil, quando era criança.
Acabamos por chegar a um consenso optando por Pixies.
Deixando a portagem, acelero, terceira, quarta, meto a quinta ao som da letra “..he started heading for the motorway..” pensando que a vida às vezes (por muito trivial que isto me possa parecer) é feita destas pequenas coisas, como estar com amigos em viagem, tal como agora, fazendo planos para o futuro imediato. O Porto fica cada vez mais para trás, assim como a banalidade do dia-a-dia, as noites desperdiçadas em bares ou discotecas, e até os nossos pequenos problemas mundanos, toda esta merda era já uma longínqua recordação. Nesta duas semanas seríamos os senhores do nosso tempo e destino (assim julgávamos nós), e sob a magnificência da nossa juventude, a Galiza cairia a nossos pés.
(continua...)