Pensamentos #1
Ouço a voz do Vasco por trás de mim :
- Cá estas tu! A Raquel está a ficar preocupada
- Eu...
- Imaginei que estivesses aqui – diz o Vasco enquanto tira uma caixa de um rolo de fotografias do bolso –, queres fumar um?
- Senta-te aqui e contempla a eternidade – digo num tom épico.
- Estamos filosóficos! Hã.
- Não estás a sentir a falta do Henrique? – pergunto já sabendo a resposta.
- Claro – responde. E depois com mais ênfase – claro que estou.
- Ele telefonou.
- Eu sei, falei com ele.
- Conseguiste sacar alguma coisa, ou ele estava com aquela típica apatia distante?– pergunto.
- Zero, hã-hã – responde abanando a cabeça.
- Estava em Hong Kong.
- Hum, hum. Foi encontrar-se com o pai, que o esperava no Harbour Plaza Hotel, e tenciona partir para a Tailândia ou Austrália dentro de dois dias.
A beleza desta praia é realmente surpreendente, estende-se languidamente num extenso areal branco, que por vezes reflecte os tons de vermelho que o sol, ao morrer, vai deixando no céu. O casal de namorados está neste momento a deixar a praia, vão abraçados como se dependessem um do outro para se mover.
- Que se pode esperar de nós? – digo deixando fugir um pensamento.
- Que se pode esperar de nós?! – pergunta o Vasco enquanto vai desfazendo cuidadosamente um cigarro.
- Sim, que se pode esperar de nós? Somos a geração do Fast Food e da MTV. Somos bombardeados constantemente com imagens que nos dizem o que devemos pensar e fazer. As mensagens são-nos impostas de uma maneira subliminar, tornando-nos a todos numa massa homogénea de autómatos.
- Diogo, em cada partícula do teu ser existe a beleza transcendente, daquilo a que tu chamaste há pouco, de eternidade. Nós provimos do universo mais profundo, devendo a ele a nossa imponderabilidade. Isto deve determinar a escala do teu pensamento e, por extensão, das tuas preocupações. – vai dizendo enquanto usa um isqueiro para queimar e desfazer a pedra.
- Sim, mas o que vou vestir amanhã preocupa-me – digo não sei se a sério ou a brincar.
- Deixa de ser pretensamente fútil, sei que não o és.
- Vasco, sinto-me mais seco que o Saara, não consigo fazer passar o mais pequenino fio de intensidade pelo meu espirito. Estou como os vagabundos de Beckett, sempre à espera de um Deus que não vai aparecer. Aquele Deus do amor e da criação em que o Henrique acreditava.
- Tu és Deus. Alegra-te com as coisas que estão à tua volta e pensa nelas como feitas à tua medida. Podes ter essa veleidade. Alegra-te e vive. - diz enquanto vai selando a mortalha.
(Se pelo menos o constante vento frio da tristeza não impedisse a vela da inocência e o fogo da paixão de acenderem dentro de mim.)
- És um tipo complicado, espero que tenhas consciência disso – diz num tom paternal.
- Eu sei, às vezes gostava de ser como tu, e ter a capacidade de ordenar o espaço entre as coisas que estão na minha mente, valorizando o silêncio do pensamento.
- As coisas não são o que parecem! - diz enquanto expele o fumo pela boca.
- Como assim?...
- Eu sofro da mesma incoerência de que todos nós sofremos, afinal não sou também feito de espirito e carne? Existe algo mais oposto? – vira-se para mim com uma ponta de malícia na cara e estende-me o charro – Queres?
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