domingo, julho 16, 2006

Tapas, papas e conversas na marina....

(...continuação)
O Jaime bate à porta do quarto, ao mesmo tempo que entra – levanta-te, pá – diz vivamente – estás aí há meia-hora. Adormeceste?
- Devo ter adormecido... – digo sentando-me na cama
- Vamos à vila, despacha-te que está toda a gente a morrer de fome.
- Claro, vamos!
Estou sentado na esplanada do restaurante, a ver a marina à minha esquerda. A Raquel está à minha frente na mesa, ao seu lado esquerdo estão a Joana e depois o Andreas, ao meu lado direito estão o Pedro e a Rita, o Vasco está à cabeceira da mesa, virado directamente para a marina. O Jaime e a Luísa estão junto ao balcão a falar com uns amigos espanhóis, que não conheço, mas que suponho serem de Bilbau, ou talvez de Madrid, podem também ser daqui, mas acho esta hipótese menos provável. Quando eles se sentam, a empregada, que já tinha vindo trazer uma cidra para cada um, pousa na mesa duas doses de pulpo, duas de calamares, uma de navalhas e duas de uns camarões pequeninos cobertos com um molho qualquer, enquanto sorri provocadoramente para o Pedro e a seguir para o Vasco, que não lhe liga nenhuma. No preciso momento em que ela sai, atiramo-nos aos pratos que estão no centro da mesa.
- Luísa, que tal vão as tuas pinturas? – pergunto quebrando aquele transe colectivo.
- Olha, fiz na semana passada uma exposição em Santiago de Compostela. Vendi dois óleos a um casal, pertencentes à aristocracia espanhola, e uma litografia a um industrial italiano de Milão – a Joana olha para o Vasco, depois para o prato, e depois para o Vasco.
- Estive a apreciar os teus quadros, gosto bastante daquele que tens em cima da...hmm... Joana, como é que se diz “Kamin” ? - pergunta o Andreas com um ar pensativo.
- Lareira – Responde prontamente a Joana. Tento encontrar os olhos da Raquel com o meu olhar.
- Isso, em cima da lareira. – Completa-se. Ela desvia a cara quando repara.
- Obrigada, esse foi pintado depois do nosso casamento. Está cheio de significados escondidos – diz a Luísa encantada.
O Vasco olha para a Joana, depois para a marina, depois para o prato e depois para a Joana, volta a olhar para a marina e diz, quase distraidamente – li a introdução que escreveste para aquele livro editado pela Gulbenkian, sobre a Graça Morais, estava excelente.
- A sério que gostaste? – a Luísa cora
- Hã, hã – responde, acenando afirmativamente com a cabeça .
- A arte é tanto melhor, quanto mais dinheiro render, e melhor conceituada quanto mais dinheiro valer. – diz o Pedro, contente pela controvérsia que sabe que vai causar, ao mesmo tempo que vai buscar um calamar e um pedaço de pulpo.
- Não sejas parvo, Pedro – diz a Rita a rir, parecendo na verdade, não ter ficado chocada com a afirmação imbecil do namorado.
- Vá lá, nem todas as pessoas são tão insaciáveis por dinheiro como tu – protesta o Vasco –, imensos artistas morreram na miséria.
- Bah! Qual é o artista que não gosta de reconhecimento na forma de gratificação monetária – contrapõe –, e já agora, és capaz de explicar porque é que os quadros desses mesmos artistas agora valem milhares.
- Talvez, porque estivessem adiantados em relação ao seu tempo – sugiro eu sem disfarçar um certo cinismo.
- E só agora compreendidos – remata o Vasco.
- Nã, é o que vos digo, a arte é controlada por uma mafia institucionalizada. Oitenta por cento das colecções privadas de arte são controladas por estes negociantes – diz o Pedro enfaticamente. - Eles adquirem as obras por valores baixíssimos antes da morte dos artistas, depois inflacionam-nas de mútuo acordo. Toda esta manobra é feita com a ajuda de críticos influentes, a soldo deles, claro, colocados em revistas e jornais.
- Estás-te a passar, não? – pergunta o Jaime
- A sério, são estes gajos que fazem a História da Arte! – diz a rir. O Vasco encolhe os ombros e murmura – não vale a pena – acende um cigarro e dá por terminada a refeição.
(continua...)