terça-feira, julho 25, 2006

Visita ao supermercado...

(...continuação)
No fim do almoço, fomos ao supermercado comprar alguma coisa para o jantar, não sem antes fazer uma visita à secção das bebidas, não resistimos em pegar nas três ultimas garrafas de Smirnoff que lá estavam e em algumas de whisky, agarramos também em duas garrafas de vinho branco e três de vinho tinto. Não podíamos correr riscos, a nossa garrafeira tinha que estar carregada em abundância, não fossemos nós morrer de sede, até porque Baco é um Deus que não deve ser esquecido e a quem devemos devoção. É curioso pensar que uma vez absorvido, o álcool difunde-se por todo organismo através dos capilares, distribuindo-se uniformemente nos compartimentos intra e extracelulares. A seguir dei uma vista de olhos na secção de higiene, à procura de bálsamo after-shave da Nivea, geralmente prefiro este para a minha pele sensível, qualquer outro deixa-me a pele ligeiramente irritada, peguei também num champô Pantene Pro-V, que costumo usar apesar de, ao contrário do que dizem os anúncios televisivos, não me deixar o cabelo solto, fácil de pentear e particularmente brilhante. O Pedro esteve ainda a tentar convencer-me das propriedades afrodisíacas do desodorizante Black, da Denim, e dos efeitos supostamente avassaladores que este teria nas mulheres com mais de trinta e cinco anos.
(continua...)

domingo, julho 16, 2006

Tapas, papas e conversas na marina....

(...continuação)
O Jaime bate à porta do quarto, ao mesmo tempo que entra – levanta-te, pá – diz vivamente – estás aí há meia-hora. Adormeceste?
- Devo ter adormecido... – digo sentando-me na cama
- Vamos à vila, despacha-te que está toda a gente a morrer de fome.
- Claro, vamos!
Estou sentado na esplanada do restaurante, a ver a marina à minha esquerda. A Raquel está à minha frente na mesa, ao seu lado esquerdo estão a Joana e depois o Andreas, ao meu lado direito estão o Pedro e a Rita, o Vasco está à cabeceira da mesa, virado directamente para a marina. O Jaime e a Luísa estão junto ao balcão a falar com uns amigos espanhóis, que não conheço, mas que suponho serem de Bilbau, ou talvez de Madrid, podem também ser daqui, mas acho esta hipótese menos provável. Quando eles se sentam, a empregada, que já tinha vindo trazer uma cidra para cada um, pousa na mesa duas doses de pulpo, duas de calamares, uma de navalhas e duas de uns camarões pequeninos cobertos com um molho qualquer, enquanto sorri provocadoramente para o Pedro e a seguir para o Vasco, que não lhe liga nenhuma. No preciso momento em que ela sai, atiramo-nos aos pratos que estão no centro da mesa.
- Luísa, que tal vão as tuas pinturas? – pergunto quebrando aquele transe colectivo.
- Olha, fiz na semana passada uma exposição em Santiago de Compostela. Vendi dois óleos a um casal, pertencentes à aristocracia espanhola, e uma litografia a um industrial italiano de Milão – a Joana olha para o Vasco, depois para o prato, e depois para o Vasco.
- Estive a apreciar os teus quadros, gosto bastante daquele que tens em cima da...hmm... Joana, como é que se diz “Kamin” ? - pergunta o Andreas com um ar pensativo.
- Lareira – Responde prontamente a Joana. Tento encontrar os olhos da Raquel com o meu olhar.
- Isso, em cima da lareira. – Completa-se. Ela desvia a cara quando repara.
- Obrigada, esse foi pintado depois do nosso casamento. Está cheio de significados escondidos – diz a Luísa encantada.
O Vasco olha para a Joana, depois para a marina, depois para o prato e depois para a Joana, volta a olhar para a marina e diz, quase distraidamente – li a introdução que escreveste para aquele livro editado pela Gulbenkian, sobre a Graça Morais, estava excelente.
- A sério que gostaste? – a Luísa cora
- Hã, hã – responde, acenando afirmativamente com a cabeça .
- A arte é tanto melhor, quanto mais dinheiro render, e melhor conceituada quanto mais dinheiro valer. – diz o Pedro, contente pela controvérsia que sabe que vai causar, ao mesmo tempo que vai buscar um calamar e um pedaço de pulpo.
- Não sejas parvo, Pedro – diz a Rita a rir, parecendo na verdade, não ter ficado chocada com a afirmação imbecil do namorado.
- Vá lá, nem todas as pessoas são tão insaciáveis por dinheiro como tu – protesta o Vasco –, imensos artistas morreram na miséria.
- Bah! Qual é o artista que não gosta de reconhecimento na forma de gratificação monetária – contrapõe –, e já agora, és capaz de explicar porque é que os quadros desses mesmos artistas agora valem milhares.
- Talvez, porque estivessem adiantados em relação ao seu tempo – sugiro eu sem disfarçar um certo cinismo.
- E só agora compreendidos – remata o Vasco.
- Nã, é o que vos digo, a arte é controlada por uma mafia institucionalizada. Oitenta por cento das colecções privadas de arte são controladas por estes negociantes – diz o Pedro enfaticamente. - Eles adquirem as obras por valores baixíssimos antes da morte dos artistas, depois inflacionam-nas de mútuo acordo. Toda esta manobra é feita com a ajuda de críticos influentes, a soldo deles, claro, colocados em revistas e jornais.
- Estás-te a passar, não? – pergunta o Jaime
- A sério, são estes gajos que fazem a História da Arte! – diz a rir. O Vasco encolhe os ombros e murmura – não vale a pena – acende um cigarro e dá por terminada a refeição.
(continua...)

Bárbara

(...continuação)
O meu quarto, ou melhor dizendo, o quarto onde costumo ficar quando cá venho está na mesma, tal como o deixei há um ano atrás...(inspiro) Lavanda, cheiro de lençóis lavados.
A Raquel abraça-me atirando a cabeça para trás, sorri, depois pousa a cabeça no meu ombro e diz – foi há dois anos que tudo começou... – tento afastar a Bárbara do meu pensamento.
- O quê? – pergunto, fazendo-me de desentendido.
- Que começamos a namorar.
- Eu sei – acabo por admitir
- Não gosto de te ver assim tão distante.
- Não estou distante – (porque é que a Bárbara teve de alguma vez existir?).
- Diogo, vá lá! – diz num murmúrio, que para mim parece muito distante, quase inaudível.
- Sim... estou a ouvir – (e se eu não a tivesse conhecido, teria ganho ou perdido com isso?). Acorda! – digo entre dentes, para mim – já passou uma eternidade.
- O quê? – pergunta a Raquel, num completo desconsolo.
- O quê, o quê? – Pergunto, voltando à realidade. A Raquel sai do quarto nitidamente chateada.
- Raquel... - murmuro sem intenção de a chamar. Deixo-me cair na cama, a olhar para a ventoinha que está no tecto, a girar. Fecho os olhos. Lavanda...
(continua...)

sexta-feira, julho 07, 2006

Muros

(...continuação)
Este era o cenário ideal para as nossas nostálgicas recordações de juventude: de amores incompreendidos, de estados de espirito voláteis, da necessidade sempre presente de encontrar, sem procurar, momentos melancólicos que sirvam de catalisadores aos nossos desejos mais espirituais ou, refraseando, de menor futilidade.

Cá estamos, Muros, sempre igual a si mesma, os mesmos restaurantes, os mesmos cafés, sem ser excessivamente dedicada aos veraneantes, parece existir para a ociosidade. Velhas recordações avivam-se na minha memória, como sempre acontece, quando cá volto, recordações que me fazem sentir só, agora, aqui no carro, apesar da acesa conversação que ouço à minha volta, talvez por serem sensações extremamente pessoais. Olho para a Raquel e penso – eu quase não partilhei nada contigo, nada do que sinto ou senti. Será que a experiência da vida é um achado demasiado valioso, para to ceder assim, sem nenhuma contrapartida?, e tu, que escondes por detrás desses grandes olhos verdes?...para mim são muitas vezes um mistério esses olhos verdes... Ela olha para mim e sorri inocentemente fazendo-me uma festa na cara. Retribuo-lhe o sorriso.

A casa parece nascer no monte, enquadrando-se harmoniosamente na paisagem, é uma belíssima peça de arquitectura, perfeitamente contida em si mesma apesar das suas grandes dimensões. Faz de certo modo lembrar alguma da arquitectura de Frank Lloyd Wright, confiantemente rústica apesar da sua linhas modernistas.
O Jaime e a Luísa estão a acenar para nós, junto ao jardim, com o Boris, um Serra da Estrela muito bonito, que quando nos vê desata aos saltos numa inconsciente felicidade. Quando estacionamos os carros, perto da entrada para a piscina, eles vêm ter connosco, abraço a Luísa e a seguir o Jaime, enquanto o Boris me suja as calças com as patas, depois de já ter sujado o Vasco e a Raquel.
- Que tal correu a viagem? – pergunta o Jaime, que está bastante bronzeado, e a quem o volumoso cabelo encaracolado faz lembrar o Art Garfunkel.
- Correu optimamente – responde o Vasco, já a descarregar as malas.
- Como tem estado o tempo por aqui? - o Pedro pergunta, protegendo o cabelo meticulosamente bem cortado e penteado do vento, que hoje se faz sentir forte.
- Assim, assim – responde a Luísa – já estamos em Setembro, vocês deviam ter vindo mais cedo. Mas, entrem e ponham as malas nos vossos quartos.
Entro em casa, faço uma vistoria geral à sala para matar saudades, está bem arrumada e, acima de tudo, primorosamente bem decorada, tal como seria de esperar de um designer gráfico e de uma pintora. Inspiro profundamente, fechando os olhos, reconhecendo o cheiro característico da Flor de Nepal, provocado pelo incenso que a Luísa e o Jaime estão constantemente a queimar. Este aroma faz com que o meu corpo seja percorrido por uma sensação de agradável diafaneidade, assim, envolvido por este espaço tão intimista e relaxante. A mistura dos cheiros e das sensações com a memória é algo que sempre me fascinou. Tenho, ainda presente, nos recantos mais escuros e perdidos da minha memória, o odor da Bárbara, e descubro agora, que está marcado até à minha morte, naquela pequena parte do cérebro onde estão guardadas as lembranças das emoções.
(continua...)