terça-feira, junho 20, 2006

Galiza

(...continuação)
Estamos a chegar, o tempo abriu bastante, e está quase o que poderia chamar de um óptimo dia. Apraz-me reparar, não sei bem porquê, que do norte de Portugal para a Galiza as diferenças na paisagem rural são nulas, mas não é por isto que cá vimos – penso - não, o que inexoravelmente nos atrai a este lugar são as baías e rias que vão pontuando aqui e ali a sua belíssima linha costeira, a majestosa agressividade com que muitas vezes as montanhas se mostram ao mar, ou aquelas praias compridas, esmagadas entre a serra e o Atlântico. Isto para já não falar nos calamares e no pulpo servidos perto da marina, bem acompanhados de uma, sempre refrescante, cidra...
- Já comia ! – declaro
- Aposto que estás a pensar em pulpo e calamares – diz a Raquel, que por acaso está hoje especialmente bonita com o seu cabelo castanho claro, quase dourado e muito liso, apanhado em rabo de cavalo, e a quem o top que veste fica a matar.

São 10:00 e estamos a passar por Noya:
- Mais uns quarenta minutos e estamos em casa – digo em tom de aviso.
- Eles compraram a casa de Muros há muito tempo? – pergunta o Andreas com aquele típico sotaque alemão.
- Hmm, na realidade a casa não fica bem em Muros, mas sim em Carnota, a cinco minutos de distância – corrijo eu.
- Era dos pais do Jaime, mas ficou para uso deles desde que casaram, há 4 anos – completa-me a Joana.
- O grupo junta-se aqui desde essa altura, o Diogo e eu ainda só éramos bons amigos – diz a Raquel com um sorriso nostálgico (?) – mas Muros já era visitado anteriormente pelo Diogo e o Henrique.
- O Henrique é aquele nosso amigo que de que te falei, que está para fora neste momento – a Joana atalha virando-se para o Andreas.
- Sempre o mesmo pessoal? – o Andreas pergunta.
- Não – respondo, ainda a pensar naquele sorriso – o Vasco, eu, a Joana e o Henrique, fomos os primeiros a iniciar este ciclo de visitas, assim como obviamente, o Jaime e a Luísa. Mais tarde juntou-se-nos o Pedro e a Raquel, acabando assim estas viagens por ficar institucionalizadas como uma tradição.
Eu sei – digo só para mim - que este é o exercício habitual, pelo menos uma vez por ano testamos a nossa amizade, vivendo em comunidade uma ou duas semanas. Se sobrevivermos a isto, então suponho que as nossas relações saiem fortalecidas.
(continua...)

sábado, junho 10, 2006

Momentos Perdidos - A Partida

Lembro-me como se tivesse sido ontem, a última das nossas reuniões de Verão na casa que Jaime e Luísa tinham em Muros. A partida fora planeada com pelo menos uma semana de antecedência como já vinha sendo hábito. No meio da agitação, na manhã de sábado, dia D, organizava as minhas coisas, ao mesmo tempo que telefonava ao resto do grupo, pelo menos ao Pedro, ao Vasco e à Raquel, por motivo nenhum em especial, para além de, provavelmente, me querer assegurar de que aquele seria mesmo o dia da partida e de que estariam todos conscientes disso.
Certifiquei-me que tinha os CDs que queria empacotados, a guitarra posta de lado e no saco, com um conjunto de cordas sobresselente, peguei em três ou quatro livros sendo pelo menos um de arquitectura, dei uma vista de olhos à mala: estojo de toillete, calções de banho, três ou quatro pares de calças (para duas semanas), três camisolas quentes para os dias mais melancólicos e frios, pijama...o telemóvel toca...
- Estou – atendo – desço já.

***

A Raquel está no carro à minha espera, de relance reparo nas duas grandes malas Samsonite que estão no porta-bagagens do Cherokee, e às quais irei juntar o meu pequeno saco de viagem e a minha, ainda mais pequena, mochila, sorrio e beijo-a. Torno a telefonar ao Vasco...
São 7:09 da manhã, chegamos à porta de casa do Vasco onde está todo o grupo, incluindo o Vasco, mas nem sinal do Pedro. É incrível, digo para mim, há anos que fazemos isto e este tipo atrasa-se sem excepção e irrefutavelmente todos os anos. Será que este gajo nunca se levantou cedo aos sábados de manhã para ver os desenhos animados quando era puto?! Torno a telefonar ao Pedro...
Ele finalmente aparece com a Rita, desculpa-se, culpando-a de algo que não me preocupo em perceber. De qualquer das maneiras ninguém se mostra interessado, portanto interrompo-o dizendo que já é tarde.
Partimos às 7:41 (no relógio do carro são 7:33), esperamos chegar a Muros por volta das dez e meia. O grupo vai dividido por dois carros: no Lada vai o Vasco com o Pedro e a Rita, no Cherokee vou eu (agora ao volante) a Raquel, a Joana e o seu actual namorado, o Andreas, um alemão que conheceu numa viajem que fez pela Europa, nas férias de Natal do ano passado, e a quem só fui apresentado há um mês, já com muitas boas referências diga-se de passagem (pareceu-me bom tipo). Quando entramos na auto-estrada estava a passar na rádio uma música muito chorada de uma Boys Band qualquer, irritantemente deplorável. Apresso-me a baixar o volume ao mesmo tempo que pergunto:
- Que querem ouvir!
- Que tal um disco dos The Cure – sugere-me a Joana
- Bah! Qualquer coisa mais alegre- digo
- Diogo, tens qualquer coisa de Police? – pergunta-me o Andreas que fala bastante bem português, em parte devido à Joana que tem sido uma óptima professora, em parte devido aos poucos anos que passou com os pais no Brasil, quando era criança.
Acabamos por chegar a um consenso optando por Pixies.
Deixando a portagem, acelero, terceira, quarta, meto a quinta ao som da letra “..he started heading for the motorway..” pensando que a vida às vezes (por muito trivial que isto me possa parecer) é feita destas pequenas coisas, como estar com amigos em viagem, tal como agora, fazendo planos para o futuro imediato. O Porto fica cada vez mais para trás, assim como a banalidade do dia-a-dia, as noites desperdiçadas em bares ou discotecas, e até os nossos pequenos problemas mundanos, toda esta merda era já uma longínqua recordação. Nesta duas semanas seríamos os senhores do nosso tempo e destino (assim julgávamos nós), e sob a magnificência da nossa juventude, a Galiza cairia a nossos pés.
(continua...)