sexta-feira, agosto 25, 2006

Novelas #1

(...continuação)
Dia seguinte: são 11:25 no meu relógio, que está sempre adiantado cerca de dez minutos, e dou por mim a passear com o Pedro pela praia. Está uma manhã calma, o silêncio é interrompido arritmicamente pelo barulho do mar a esbater-se na areia, e neste momento pela voz do Pedro:
- Estou numa alhada – suspira
- Que se passa?
- A Maria está a pressionar-me
- A Maria! Há quanto tempo é que isso dura?
- Um ano – responde meio embaraçado. Faço as minhas contas, ele já anda com a Rita há dois anos. Como é que ele aguenta.
- Pelos vistos tens conseguido aguentar a situação – digo apaticamente.
- É... – o Pedro atira uma pedra ao mar e continua –, o problema é que ela descobriu tudo acerca da Ana.
- Da Ana? Quem é a Ana? – Este tipo não existe. E deve estar fora de qualquer categorização.
- Hum...lembras-te de eu te ter falado numa boazona parecida com a Cindy Crawford, só que sem o sinal, que andava lá no ginásio?
- Sim...
- Bom, ando a mandar-lhe umas quecas de há três meses para cá – diz entre-dentes.
- Óptimo, lindo serviço... – digo tentando mostrar-me compreensivo.
- Pois... – o Pedro afundava-se num murmúrio.
- E essa Ana, a Cindy-Crawford-só-que-sem-o-sinal, sabe da existência da Rita e da Maria? – pergunto não sei bem porquê.
- Ela pensa que eu namoro com a Maria, e que a Rita é minha irmã. Pelo menos foi isto que eu lhe disse.
- Arranja tratamento...
- Diogo, poupa-me. Tu sabes que eu gosto muito da Rita, é a mulher com que quero casar.
- A sério?!! – cínico, eu?...
- O problema é que eu preciso de relações com outras mulheres para conseguir manter uma certa estabilidade emocional.
- Já percebi, e andares a mandar umas cambalhotas com um vasto conjunto de tipas que conheces em bares, perfumarias, passagens de modelos e ginásios, e onde posso ainda incluir amigas da tua namorada, ajuda-te a ser uma melhor pessoa, certo?
- Sim...não! Vá lá, Diogo tenta perceber-me – desespera o Pedro.
- A expressão: cada um faz a cama em que se deita diz-te alguma coisa?
- Obrigado, és uma ajuda.
- Olha Pedro, explica-lhes que te converteste a uma seita qualquer de raiz muçulmana, e que a tua religião te obriga à bigamia.
- Hum... achas? – pergunta com ar sério. – Boa ideia!
- Pedro, estava a brincar. – digo derrotado.
(continua...)

segunda-feira, agosto 21, 2006

Livros

(...continuação)
Antes de me deitar tiro os quatro livros que trouxe, tentando decidir qual ou quais vou hoje ler. Vejamos, tenho um livro do Ross Leckie intitulado “Cipião, o Africano”, que apesar de ser um romance histórico é suficientemente erudito e verídico para ser interessante, vem na continuação de um romance do mesmo autor chamado “Aníbal”, que já li e achei genuinamente bom; tenho outro do Artur C. Clarke, o “Anti-Crepúsculo” que ainda não comecei, comprei-o há dois ou três meses numa feira do livro, onde comprei também um livro muito interessante do Jaques Bergier intitulado “Os extraterrestres na história” e a versão em inglês dum livro que já tinha do Bruce Chatwin; tenho ainda um dos livros de que mais gosto do J.R.R.Tolkien, de quem há cerca de um mês e meio me propus reler toda a obra, que se intitula “O Silmarillion”, (bom, suponho que seja como François Mauriac disse: «”Diz-me o que lês, dir-te-ei quem és” é verdade, mas conhecer-te-ei melhor se me disseres aquilo que relês.»); como última opção, mas não menos importante, um livro do Roger Scruton que ando a ler aos bocadinhos e em pequenas doses, “A estética da Arquitectura”.
Para que é que trago tantos livros? Acho que sou intensamente curioso e moderadamente impaciente para estar a ler um só livro por dia. Fazendo uma analogia entre os livros e as séries de televisão, por comparação prefiro os livros, posso controlar a duração dos “episódios” pois começo a ler quando quero e paro quando quero, posso fazer pausas para ver televisão, se assim quiser, em contrapartida, com a televisão sou obrigado, se não quiser perder um programa que me interessa, a estar pontualmente e com um rigor subserviente à frente do ecrã, correndo sempre o risco de me irritar quando os episódios acabam naquele momento em que estamos mais intensamente envolvidos, e pior ainda, não podemos fazer intervalos para ler (a não ser, claro, que tenhamos um vídeo, que não é o meu caso). Por fim, e como já não leio um livro do Arthur C. Clarke há muito tempo, decido-me pelo “Anti-Crepúsculo”.

(continua...)

sexta-feira, agosto 11, 2006

Um jantar em Muros

(...continuação)
Passamos a maior parte do jantar a discutir a política internacional americana e o seu impacto no mundo, a situação actual no extremo e médio oriente, a anexação do Tibete pela China e as suas consequências, e de como todos gostaríamos de ir à Índia ainda que por motivos diferentes, enquanto o leitor de CDs da Bang & Olufsen vai passando a selecção de seis discos que fizemos para esta noite. O David Bowie está agora a cantar o this is not America.
O Goulash está realmente muito bom, e envolvido pelo delicado paladar da refeição e por uma das garrafas de Rioja que desapercebidamente puxei para perto de mim, deixo-me perder pelo ritmo das chamas, que dançam em intermitentes ondulações no topo das velas que estão pousadas no centro da mesa. Naquele círculo de luminosidade quente, que marca a diferença entre a semi-obscuridade e a nossa realidade, a minha realidade, onde o som das vozes facilmente se perde, consigo ainda ver os lábios a articularem supostas palavras, e gestos a enfatizarem animadas discussões...o mundo dos sentidos inverteu as prioridades. Perco-me nos lugares escuros da minha mente, correndo o mesmo perigo que um mergulhador que vagueia nas profundidades, mais profundas, do Oceano. Penso em tudo, sem ao mesmo tempo pensar em nada, reservando para cada imagem o tempo de um microssegundo passado em câmara lenta. Pedaços da conversa chegam até mim, depois de atravessarem milhões de anos luz: - Para mim – a voz do Jaime – em ultima instância, a função primordial do homem é ter filhos e constituir família. Nestas coisas do sentido da vida, devemos ser um bocado pragmáticos. E aliás, que mais pode haver?
- Que tal, realizar, concretizar, criar, amar, ajudar os outros, tornar o mundo um lugar melhor, combater o crime e a pobreza, dar voz aos indefesos...- diz o Vasco sem pausas. O Andreas, reparo agora pelo ronco, está estendido no sofá a dormir.
- Tu e a tua perspectiva Budista da vida! – diz o Pedro bebendo a seguir, o vinho que tem no copo de um só golo, depois continua num aparte - também acreditas nas tretas da reencarnação?
- Pedro! Não sou Budista, mas agradam-me algumas coisas desta filosofia oriental.
- Oh! Já sei – diz o Pedro com um ar enjoado – dar a vitória ao inimigo, blá-blá-blá, só podemos atingir a iluminação por meio da prática da meditação, blá-blá-blá, acumular Karma positivo para nos libertarmos do ciclo do sofrimento, ajudando, por exemplo – pausa, seguida de risos – o cabrão que nos matou o pai e violou a mãe. Concluindo, ser o Sr.Bonzinho-sou-otário-porque-gosto-que-abusem-de-mim.
Não sejas cínico – interrompo baixinho, num tom ausente – os ensinamentos budistas, ainda que utópicos para mim, são de vangloriar. Tentam criar uma sociedade melhor, onde o ser humano se respeite e não recorra à violência de cinco em cinco minutos para expôr os seus pontos de vista. – O Andreas está agora a babar-se.
- Temos que aprender a controlar a nossa mente – argumenta o Vasco – um budista escreveu um dia que a nossa mente, é como um céu cheio de nuvens, é preciso que elas se afastem para deixar passar a luz. A sociedade actual destrói o espírito, as pessoas vivem num total estado de ansiedade. A prática do dharma budista pode ser muito útil, e é a partir daqui que o Budismo me começa a interessar.
- Bah! Saltemos para o Vodka, estou farto de vinho – diz o Pedro tentando parar uma conversa que não vai, de certeza, levar a lado nenhum.
- Vodka? – pergunta o Andreas acordando, depois de dar um agitado e ruidoso ronco final.
- Diogo, vamos rolar? – pergunta o Vasco abanando-me a cabeça, que agora está enfiada nos meus braços e pousada na mesa.
- Nã, continuem vocês. Vou-me deitar, estou muito cansado, esta última semana tenho andado a deitar-me muito tarde.
- Estás um velho! – diz o Jaime.
Dou um beijo à Raquel. – Boa noite – digo a todos.
“Estás um velho?!!” Se eles soubessem como eu às vezes me sinto velho, prematuramente velho, um exilado emocional a quem foi negado o direito à juventude, o direito de viver como todos vintões devem, ou deveriam viver. Naquela constante inconsciência, tipicamente masculina, de quem se apaixona todos os dias, a todas as horas, pelas coisas em geral e principalmente, pelas mulheres...
(continua...)

sexta-feira, agosto 04, 2006

Goulash de Novilho

(...continuação)
Por volta das quatro fomos à praia, onde ficamos quase até ao pôr-do-sol a ver a maré baixar, deixando a descoberto aquelas milhares de pedrinhas e conchas que transformam a praia num festim de cor e brilho.
Quando chegamos a casa fomos preparar o jantar, Goulash de Novilho por sugestão da Luísa. “Fomos” é neste caso uma força de expressão, os homens limitaram-se a estorvar as mulheres, fazendo de conta que são prestáveis, fazemos isto só para nos dar uma sensação de vida em comunidade. Vou aproveitar este momento para me meter com a Raquel, tenho a certeza que se a fizer rir pelo menos uma vez, evito ter que lidar com a terrível frieza de uma mulher. Enquanto empreendo esta esgotante tarefa, o Pedro vai limpando as lágrimas do Jaime, que está de avental a descascar as cebolas, o Andreas e o Boris rebolam-se pelo chão da cozinha, e o Vasco anda a perguntar se as trufas não dariam bons alucinogénios, depois de já ter sugerido que este prato ficaria melhor se preparado com um bocado de vinho branco. Tenho a impressão que por ele todas as receitas deveriam levar vinho na sua constituição. Entretanto, a Raquel mandou-me um daqueles olhares esta-noite-não–há-sexo, é óbvio que não estou a ser bem sucedido.
Como era de prever as mulheres é que fazem o que realmente importa, a Joana corta a carne em cubos, a Luísa está agora a ajudar o Jaime com as cebolas, cortando-as em rodelas muito finas para depois as levar a alourar num tacho com margarina, a Rita fez o molho para a salada, que, pelo que consegui reparar, consiste em misturar três colheres de óleo da Provença, uma de vinagre de cidra e umas gotas de limão, às quais a Raquel irá juntar as “trufas psicadélicas” que o Vasco tinha cortado em bocados pequeninos, temperando tudo com sal e pimenta. Finalmente ela ri-se, não muito, mas o suficiente para me deixar de consciência aliviada. Sentamo-nos à mesa ao som de um antigo tema de Lionel Richie.

(continua...)